O menor de todos os corações
Eu queria escrever o mais bonito dos textos. Quando essa vontade surgiu pela primeira vez, eu tinha dez anos. Abri meu caderno, escrevi uma história. Uma história curta, simples, mas sincera. Não era o mais bonito dos textos, mas com certeza tinha um propósito. Assim como esta vida. Ou o instante exato em que decidi escrever essas palavras que você, agora, lê.
Também tinha dez anos quando senti meu coração encolher no peito pela primeira vez. Sempre tive medo da tristeza, ou melhor, desespero da tristeza. Ao menor sinal de dor, viro eu, bicho desequilibrado, um balanço de criança na beira de um penhasco. E tudo ali se perde. Mas quando eu tinha dez anos, lembro de andar pelo quintal do meu tio, tocando o muro branco. Eu tateava aquele muro suavemente, sem deixar que me machucasse os dedos, enquanto minha irmã catava azeitonas roxas caídas no chão. No instante seguinte, eu vi um buraco no muro. Por algum motivo, até hoje desconhecido, aquilo me remeteu ao pior sentimento que já sentira em vida. Senti meu coração encolher no peito e tenho certeza que era o menor de todos os corações do mundo. Eu me senti morta.
Veja bem, eu não quis morrer. Eu só senti que tinha morrido. Desde esse dia, eu fujo dessa sensação como foge o diabo da cruz, mas nem sempre consigo escapar. Em uma das vezes que a senti, fazia muito frio, eu estava longe de casa e tinha passado a noite em uma cidade muito pequena. Ao acordar, meus ossos doeram. Eu não conseguia levantar, não conseguia existir. Senti medo tanto que seria capaz de mergulhar no rio sem saber nadar e, mesmo assim, chegar nadando na minha cidade. Cidade essa tão, tão longe dali.
Desde pequena, sou doente do coração. Na mesma medida em que ele é cheio de amor, ele também engole a dor sem nunca ter aprendido a mastigar corretamente. Os dentes doem muito, doem o dia todo, por isso não é possível mastigar. Deve-se engolir por inteiro, tudo, todos. É o que eu faço. É o que sempre fiz. Você não vê?
Venho de uma sequência de dias em que estive morta. Desde antes de completar os tão sonhados trinta anos, tendo piorado vertiginosamente depois desse dia. O sonho que sonho todas as noites é o mesmo. O suor frio que escorre entre meus seios quando o coração começa a encolher, também. Hoje já passa dos trinta e dois graus e meu corpo chora, escorre, derrete. Suor vira lágrima graúda e meus óculos novos não vieram com uma função feito limpador de parabrisa. E se não consigo mais enxergar, só resta fechar os olhos e dormir.
Talvez um dia, penso, se descubra a cura para os corações pequeninos. E para os corações que são pequeninos desde que éramos pequeninos também. Veja, anteontem fui ver meu avô, que dormia com dor na sua rede. Ele sorria com dificuldade. Fez esforço para sentar à mesa comigo, mas não conseguiu por muito tempo. Pedi que deitasse, pode deitar, meu avô. Nós nos abraçamos. Aos oitenta anos de vida, meu avô não fala de morte. Nunca falou. Se a sentiu também, não sei dizer. Ele não me contaria. Meu avô jamais me deixaria triste e espero que ele nunca descubra que tenho o coração pequeno. As coisas são boas assim.
Saindo de sua casa, eu olhei para o céu. Era a primeira vez que sentia o vento e o sol em muitos dias. Ali, olhando o azul infinito, quase me senti viva. Meu avô logo melhorou também. Ainda há pouco, escutei sua voz alegre por cima do muro. Ele falava sobre futebol e direcionou uma frase ao cachorro. As coisas são como têm que ser. E um dia tudo passa, até o menor dos corações.
Um exemplo disso é que hoje, depois de muito tempo, eu sentei à mesa do quarto, abri meu computador e escrevi esse texto com muito carinho. O motivo é bem simples: meu coração pode ser pequeno, mas ele sempre há de amar. Não importa quantas vezes eu precise vencer a morte e recomeçar.
O céu está azul. Não vê?
Chega dá vontade de chorar.