Um vício. Um toc. Uma mania. Chame como quiser. Eu estava me arrumando, passando na cara lavada a pouca e velha maquiagem que tenho e deixando tocar na minha caixinha de som - meu objeto preferido no mundo todo - a playlist das músicas mais ouvidas do mês. Isso me lembra que preciso comprar maquiagem. Bom, não sei, contudo, como consigo entrar em um novo mês com novas músicas, pois só escuto a mesma playlist e mês que vem ela pode se repetir e de novo e de novo e de novo, em um ciclo viciado e solitariamente triste. Pois bem. O quarto tinha cheiro de perfume de flor e mato. E eu estava sozinha.
Sozinha não gosto de estar. Nem no presente, nem no coração, nem na ideia da morte irrevogável. Mas tenho uma amiga que mora na França e que gosta tanto da própria companhia, mas tanto, que se anima ao fazer coisas sozinha, em casa. Eu invejo esse sentimento. Tenho inveja de coisas que acho que nunca vou sentir. Gosto de presença constante, de toque, de um cheiro novo e um abraço infinito. Essa amiga, nós costumávamos brincar de que quando comprássemos um terreno no Brasil para morarmos todos juntos na velhice, ela teria a casa mais alta, mais distante, com placas hostis pelo caminho que leva até sua morada. Eu, sendo do jeito que sou, dizia que iria fazer o percurso todos os dias, cantando e batendo em sua porta a cada manhã, dizendo sorridente: “Vamos tomar um cafezinho?”. Ela ria com felicidade quando dizíamos isso, como fazem aqueles que sabem que são amados. E eu amo, intensa e profundamente.
Mas eu estava sozinha e só conseguia pensar em não estar. Tinha passado o dia triste, com crises de ansiedade, constantemente ocupada e com uma vontade imensa de ver estrela no olho de gente de coração grande. Queria fumar um cigarro, beber um suco de limão e cantar no karaokê com minhas amigas da faculdade, de mais de dez anos atrás, que consigo ver raramente mas sempre com muito amor. E eu ia vê-las. Não aguentei esperar a hora certa, meu relógio tem a hora que eu quiser e eu sempre quero que seja a hora de ver gente. Me vesti, perfumei, saí.
Antoine de Saint-Exupéry tem as famosas frases de “Le Petit Prince”: “Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieto e agitado: descobrirei o preço da felicidade!”. E por mais que critique algumas passagens do livro, sempre me identifiquei absurdamente com essa. Sou eu ali, amor. Vê, sou só eu.
Saí de casa antes da hora certa. Antes delas mesmo acabarem de se vestir. Cheguei, acendi meu cigarro, tomei um energético. Fiquei feliz. Quando eu finalmente recebi sinal dos meus amores, que me mandaram a localização em tempo real - a minha invenção favorita no mundo - eu exerci minha mania mais recente: ativei o timer com o tempo exato que levaria até vê-las entrar no karaokê. Um vício. Um toc. Uma mania. Chame como quiser.
Naqueles instantes, me sinto um fã esperando o ídolo subir aos palcos. Ou uma criança que espera ansiosamente a mãe chegar em casa e lhe dar de comer. Eu como a cara da minha gente, seus traços e suas cordas vocais quando falam comigo de amor e tristeza. Eu como seus pensamentos, suas confissões e segredos. Eu os como por inteiro. E eu estava faminta.
Eu estou sempre com fome. Pensei no que comeria quando elas chegassem. Quando elas chegarem, eu vou contar uma pequena novidade que as fará rir. Quando elas chegarem, eu vou acender mais um cigarro sem lembrar se elas estão ou não fumando. Quando elas chegarem, eu vou ganhar um brilho diferente nos olhos de amor e elas verão meus olhos em seus corações. Saberei o valor da espera quando você chegar.
Elas atrasaram, estavam mais distante que o previsto. “Não tem problema”, eu repeti vendo muitos problemas. Fiz do meu coração poço de ternura. Pensei nos abraços. Espera. A primeira chegou me abraçando e eu vi o que acontece quando se vive.
De repente, eu tinha sido devolvida à minha pele. Sob meu couro, estava um bicho mamando na mãe. Atrás dos olhos, oco escuro do infinito sem fim. E eu estava ali. Eu estava ali. Eu estava finalmente ali.
Coração, coração, acho que sou criança feita de sangue, carne e encontros.
que coisa linda!!!!
lindo lindo meu amor